16/05/2025

Pandora


Ontem (15.05) fiz minha primeira palestra na Pandora Escola de Artes. Fui convidado para integrar a série “Pandora Apresenta: Viver de Arte”, que tem o intuito de trazer diferentes artistas que já passaram pelos cursos para compartilhar suas trajetórias de carreira no mundo da ilustração. Sou um aluno egresso da modalidade de “ilustração de mercado”, entrei nas aulas a partir de uma bolsa que consegui batendo na porta da coordenação e que, mais tarde, me rendeu um estágio em estúdio de animação na mesma cidade (Campinas).

Mas minha história com a escola começou antes disso: frustrado com os resultados insuficientes nos vestibulares, acabei desistindo de fazer uma faculdade e considerei cursar a Pandora como método de ensino superior. Mal sabia eu que, uma semana depois, uma chamada do Prouni me contemplaria com isenção integral para o bacharel em Artes Visuais da PUC Campinas - o curso do rio mudou e entrei na graduação.

Participando do ecossistema de ilustradores de Campinas - feiras, eventos, palestras e afins - fui criando uma admiração (e até certa idolatria) pelo corpo docente da Pandora. É engraçado hoje olhar para o Vinícius adolescente e perceber a natureza do carinho e deslumbramento que eu tinha por professores em ascensão nas suas carreiras. Eles estavam em um patamar distante do meu.

Naquela época eu era praticamente uma criança cheia de sonhos feitos à mão, instrumentos improvisados, cadernos em calhamaço preenchidos por repetições, raiva, suor e vontade de ser algo que eu ainda não podia alcançar. E, por outro lado, aquelas figuras eram límpidas e iridescentes, pareciam saber um segredo sobre elas mesmas e ter a tranquilidade de fluir pela linguagem da arte sem o amadorismo febril de quem acabou de chegar. Por mais que isso pareça se referir a uma hierarquia, o caso era o contrário: sempre me senti acolhido e bem treinado pelos mestres. Entendi desde cedo que humildade e um bom trabalho iriam me polir minhas arestas pontiagudas.

E aqui estou agora. Divido mesa de projeto com meus antigos professores, dou conselho a alguns deles, apresento novidades, técnicas, temas, trago peculiaridades e pontos de vista lapidados. Fico sobretudo grato pela abertura e confiança que eles deram à mim. Tenho dificuldade em reconhecer a dimensão do que produzi e do nome que estou criando - e de forma alguma acho que isso seja uma modéstia, penso que essa ética é produto de aceitar minhas raízes e apagar o deslumbramento de forma a dar lugar ao encantamento (e isso me abre os olhos principalmente ao que é simples).

Não olho para meus dias de aluno com a postura de superação. Ele, o Vinícius afobado, que tomava ônibus tarde da noite depois de passar o dia estagiando e tendo aulas, está ao meu lado. Carrego ele pendurado em meu molho de chaves, como um pingente que toda vez que caminho e escalo, samba no peito e gera cócegas de alívio, trazendo a lembrança da mudança e impermanência de identidade, dos sonhos e aspirações. Estou muito feliz por ter sido esse adolescente vulcânico, que jurava que nunca iria chegar em outros lugares. De certo modo isso me instigou forte persistência em buscar o oposto dessa condição - pensava que, vindo de família simples, não podia me dar luxos de intervalos (e a paixão pela arte tornou a jornada divertida).

Que exercício espantoso o de aproximar o passado ao presente. Lá atrás eu almejava tantas coisas e elas se tornaram reais - melhor, a vida remodelou com seu mistério cada pretensão minha e incluiu novas palmeiras, oasis e fauna neste panfleto amarelado e desgastado para o qual eu olhava todas as noites e tinha como destino final. A viagem sempre se torna diferente, mas eu continuo o mesmo. É um grande privilégio guardar todas as memórias daquela época, com tanto frescor e consciência. Não ter me esquecido do sentimento de angústia juvenil e poder acolhê-lo com a certeza de que fizemos o ciclo completo. Assim como eu olho o passado de modo translúcido, eu tenho a impressão de que o olhar do passado também me alcançava onde estou agora - profecia, previsão, otimismo. Que bom que sonhei com tanta verdade.

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